Agora como nunca

Prova de Aptidão Profissional da Academia Contemporânea do Espectáculo 2018/2019

©Júlio Moreira

©Júlio Moreira

 
 

Os fins e os inícios são sempre difíceis de distinguir. As despedidas são o começo de algo desconhecido. Daqui para a frente não se tem a certeza, mas isso é bom, certo? 

Isto é uma despedida. 

Partimos de quem viveu antes de nós, para pensarmos no nosso futuro. Partimos de quem teve medo antes de nós, para perceber que caminhos nos abriram. Partimos de um processo de censura para percebermos como não somos tão politizados como precisamos. Partimos de um livro genial para descobrir que ainda não compreendemos uma linha. Partimos de algumas mulheres, tantas mulheres, muitas mulheres, para tentar compreender o lado B da história do mundo. Partirmos deste ponto, onde nos encontramos agora, para olhar para trás e ganhar coragem para o que está à frente. É agora como nunca. Mas quantas vezes, ao lugar onde chegaste, já te foste embora? 

 
 

APRESENTAÇÕES

de 20 a 27 de julho de 2019, 21h
Auditório do Grupo Musical de Miragaia
Acolhimento da Confederação - Colectivo de Investigação Teatral

Espectáculo disponível para digressão.

FICHA ARTÍSTICA

Texto e encenação - Sara Barros Leitão
Interpretação - Daniela Silva*, Inês Drumond*, Inês Vieira*, Teresa Cruz*
Desenho de som e luz - Rafael Couto*
Cenografia - Luísa Almeida*
Figurinos - Ana Barros
Operação de som - Rafael Couto* e Bernardo Silva*
Operação luz - Luísa Almeida*
Produção - Luís Silva Barreto

*alunos da Prova de Aptidão Profissional

 

fotografias de cena

©Júlio Moreira

NOTA DE INTENÇÕES | TEXTO PARA UMA FOLHA DE SALA

Meu amor, ma chérie, my one and only,

Isto é uma carta. É para ti. Não é uma carta de despedida, talvez ainda nem nos conheçamos. É uma carta de amor, porque saíste de casa para estares aqui comigo. 

(A partir de agora, mesmo que fale no singular, estou a falar sempre no plural. Como no teatro. Quando vês um técnico, vês toda a equipa, quando fala uma personagem, ouves toda a humanidade, quando digo “eu”, estou a invocar todos os que construíram isto para ti.) 

Por isso, antes de qualquer outra coisa, isto é sobre amor. 

Escrevo-te esta carta em vez de um texto de folha de sala, porque isto também é sobre intimidade. A minha (que é a nossa, a de todos os que construíram isto para ti). Mas como somos jovens e incoerentes, dizemos que é sobre intimidade e, ao mesmo tempo, é sobre política. Mas a intimidade também é política e afinal somos jovens e conscientes. 

Meu amor, ma chérie, my one and only, isto é para ti. Fiz isto para mim e para ti, não vou mentir. Fiz isto para mim, mas para te oferecer. Isto só faz sentido se estiveres presente, quero entregar-te o meu coração. Gostava, acima de tudo, que estivesses presente no momento final do meu caminho. Daqui para a frente já não tenho a certeza. 

Meu amor, que este tom delicado da minha carta não te engane. Escrevo de forma delicada, ao mesmo tempo que sou indomesticável. Falo com certeza, ao mesmo tempo que sou cheia de dúvidas. Quero o erro, mas não sei como provocá-lo. E o que hoje afirmo com convicção, amanhã pode tornar-se no meu novo inimigo. Estou a crescer, meu amor. Estou a descobrir onde estou. Por isso, ma chérie, queria sobretudo pedir-te para não me julgares. Queria que viesses ver esta minha prova sem me pores à prova, porque para me julgar, já me chega a minha cabeça. Queria que recebesses o que construí para te oferecer, sem estares a pensar em como eu era antes. Eu já estou tão diferente. Vem ver-me. Vem disponível. Vem aberto. Vem permeável. Vem sem medo. Para medo já basto eu. 

Isto é sobre amor, sobre fazer amor contigo, no momento em que sais de casa para estares no momento mais importante do meu ano, mas que para o ano já nem me vou lembrar. É que sou jovem e todos os agoras são agora como nunca. “Vem ver-me, prometes?”

Sara Barros Leitão