trilogia das barcas

concertos encenados

@Pedro Santasmarinas

@Pedro Santasmarinas

 
 

Nota de intenções

Pensar em levar à cena o tríptico dos Autos das Barcas levanta, desde logo, muitas perguntas e ainda mais responsabilidades. O enfoque particular desta proposta consiste na convocação da música para o território da cena, participando activamente no desenho de cada momento, assumindo-se como o veículo condutor do espectáculo. Deste modo, o texto, a palavra falada, os actores e o teatro surgem como intrusos num festival como os Dias da Música, tornando-se elementos disruptivos da dramaturgia sonora: provocando-a e potenciando-a.

O presente desafio consiste em encontrar outros recursos que não os de um palco convencional, outras formas de exprimir as linhas de força do texto, o diálogo entre o verbo e a composição sonora, e o despojamento cénico de uma obra conhecida pela riqueza de adereços, pormenores e espaço visual.

Não se trata aqui de qualquer um dos vários formatos de ópera, de uma ópera em versão de concerto, de um exercício de leitura do texto teatral com suporte sonoro, de uma música de “intermezzi” como comentário do texto. Ou seja, não se trata de uma leitura convencional, centrada principalmente nos recursos da cena. Antes, de uma certa re- invenção do formato, jogando de forma positiva com a economia de meios e pedindo à música um papel mais presente e sustentado, nomeadamente naquilo que é o seu território de eleição: a capacidade de criar personagens e ambientes, de sugerir movimentos, de sustentar acções, de criar imagens sonoras a partir de excertos ou diálogos, podendo até apoderar-se deles e substituí-los.

Se são normalmente os actores os condutores e principais protagonistas da acção, esta nova leitura desafia os músicos a assumirem o mesmo papel: tanto na intervenção cantada de algumas partes do texto, quanto e sobretudo no desenvolvimento musical de tudo o que amplia palavras ou movimentos. Aqui os instrumentistas também são actores,

com diversas marcações no espaço de cena. Mas não serão menos actores, quando com os seus instrumentos ou vozes ampliam as ressonâncias de uma fala, ou quando permanecem na sombra, por detrás do texto, mantendo imperceptivelmente a cor de um momento ou a tensão de um ambiente.

É uma proposta que dilui hierarquias, não tratando nenhuma arte como menor, e que encontra nos Dias da Música um pretexto para abrir possibilidades e acepções de o que é concerto, o que é teatro, o que é música, e o que é palavra, provando que todos podem habitar o mesmo espaço, ou - neste caso - a mesma sala.

Sara Barros Leitão
Porto, 15 fevereiro 2018

 

FICHA ARTÍSTICA

Texto - Gil Vicente
Adaptação para cena e encenação - Sara Barros Leitão
Composição - Fernando Lapa
Elenco - João Castro, Teresa Arcanjo e Sara Barros Leitão
Músicos - David Lloyd, viola e violino;
Christina Margotto, piano;
Jed Barahal, violoncelo;
Magna Ferreira, voz e percussão;
Ricardo Alves, clarinete e clarinete baixo;

APRESENTAÇÕES

Trilogia das Barcas
27, 28 e 29 Abril 2018 - ESTREIA
Sala Almada Negreiros, Centro Cultural de Belém

Inferno
26 Maio 2018
Figueira de Castelo Rodrigo